O Regime de Previdência Complementar (RPC) no estado do Paraná para os servidores titulares de cargos efetivos: a descaracterização da Previdência Social Pública

A Previdência Social tem sido palco de um conjunto de contrarreformas apresentadas e implementadas pelos poderes legislativo e executivo, com salvaguarda do poder judiciário e sempre em alinhamento aos ditames de políticas neoliberais, de esvaziamento de direitos sociais e de incentivo à acumulação do grande capital. Estas contrarreformas favorecem os interesses privados e, especialmente, o setor financeiro, às custas do trabalho acumulado, do suor e do sofrimento de milhões de trabalhadores/as.

As alterações no âmbito da Previdência Social são frequentemente articuladas com outras contrarreformas – a exemplo da reforma trabalhista – implicando diretamente em piora das condições de vida e de trabalho da classe trabalhadora no Brasil recente. O teor privatizante das contrarreformas, sobretudo da Previdência Social, busca escamotear o quadro de aviltamento da precarização dos direitos da classe trabalhadora que, pelo desemprego, subemprego e exponencial crescimento da informalidade, encontra-se desprotegida de seus direitos trabalhistas e do direito previdenciário.

Da análise mais cuidadosa destas contrarreformas surgem diversos questionamentos: Quem sairá perdendo com o aumento do tempo de contribuição e da idade mínima para a aposentadoria, da limitação do baixo teto da Previdência Social brasileira, de continuidade da contribuição previdenciária para aposentados, com o aumento da alíquota previdenciária? Quem são os afetados negativamente por este projeto privatista, neoliberal e destruidor de direitos sociais? Quem está pagando a conta?

Para todas estas perguntas a resposta é única: a classe trabalhadora, a qual vem sendo esmagada pela política econômica em defesa dos interesses das classes dominantes, com predomínio de sua fração rentista. A professora e pesquisadora Sara Granemann, que coordenou a pesquisa “Contrarreforma da Previdência Social no Brasil (2020)”, feita pelo Andes-SN e cujos resultados foram apresentados no 18º Encontro do Setor IEES/IMES- ANDES-SN, realizado no dia 20 de agosto de 2022 na Universidade Estadual de Londrina- UEL-PR, enfatizou os impactos negativos do sistema de financeirização dos Regimes Próprios da Previdência Social (RPPS). Segundo a pesquisadora as reformas da previdência propostas desde a década de 1990 e a implementação de regime de capitalização são ataques reais e ideológicos à Previdência Social. Enfatizou que a Previdência Social na sua concepção original é um sistema de solidariedade geracional e de classe e que está sendo ameaçado pelas contrarreformas.

Adicionalmente, ela explicou o modo que o ajuste contábil-financeiro desenhou para o duplo destino dos recursos poupados pela classe trabalhadora nos RPPS. O primeiro destino é a segregação da massa de recursos do RPPS e o segundo é a introdução da “previdência privada” como alternativa à limitação das aposentadorias dos RPPS ao teto do Regime Geral da Previdência Social (RGPS).

Reforçamos que a instituição deste novo regime contribui para a sua naturalização e o reforço da adesão dos servidores aos benefícios da previdência complementar, considerando a dificuldade de construirmos enfrentamentos às reformas em curso e às que virão.

As mudanças advindas da última reforma da Previdência Social em 2019 foram expostas na Emenda Constitucional nº 103/2019, que alterou o sistema de previdência social e estabeleceu regras de transição e disposições transitórias. Destas alterações, no que concerne aos servidores titulares de cargos efetivos, destaca-se que a atribuição dos benefícios concedidos por meio dos Regimes Próprios de Previdência Social (RPPS) terá o mesmo limite aplicável ao Regime Geral da Previdência Social (RGPS). Impõe, para isso, que os estados e municípios instituam regimes complementares no prazo máximo de dois anos da data de entrada em vigor da EC nº 103/2019.

Outro ponto a mencionar é que, na emenda constitucional em questão, a adesão ao Regime de Previdência Complementar (RPC) de caráter complementar e organizado de forma autônoma em relação ao RGPS, é facultativo.

No estado do Paraná, a Assembleia Legislativa (Alep) aprovou a Lei 20.777 de 2021, regulamentada pelo Decreto 3.1888 de 21 de agosto de 2023, que instituiu o RPC. O Decreto dispõe sobre medidas referentes aos efeitos da Portaria Previc nº 1184 de 22 de novembro de 2022.

A Lei determina que “o valor dos benefícios de aposentadoria e pensão devido pelo RPPS aos servidores públicos titulares de cargos efetivos de quaisquer dos poderes, incluídas suas autarquias e fundações, que ingressarem no serviço público do Estado do Paraná a partir da data de início do RPC de que trata a Lei, não poderá superar o limite máximo dos benefícios pagos pelo RGPS”.

O art. 5º da Lei autoriza o governo do estado do Paraná a instituir o RPC por meio de adesão ou contratação de plano de benefícios administrados por Entidade Fechada de Previdência Complementar (EFPC) ou aberta, bem como de EFPC criada pelo próprio governo.

Embora o Decreto 1184/2022 reconheça o caráter facultativo da previdência complementar –portanto, sem caráter obrigatório e como opção do servidor público –, ele reforça, ao mencionar o art. 13 da Lei 20.777 de 2021, que os servidores serão automaticamente inscritos no respectivo plano de benefícios de previdência complementar desde a data de entrada em efetivo exercício, tendo direito à manifestação de ausência de interesse em aderir ao RPC no prazo de noventa (90) dias, contados da notificação. Caso não ocorra a manifestação, essa omissão será considerada anuência em relação à adesão ao plano de benefícios de previdência complementar.

O Memorando 11/2023 do Departamento de Recursos Humanos e Previdência (DRH) – Divisão de Seguridade Funcional (DSF), atendendo ao disposto na Lei 20.777/2021, informa aos servidores que ingressaram por meio de concurso público no Estado do Paraná após 22/09/2022, cuja remuneração

ultrapasse o limite máximo estabelecido para os benefícios do RGPS – atualmente no valor de R$ 7.507,49 –, sobre a inscrição automática e o prazo para assinatura de uma declaração sobre ingresso no serviço público em cargo efetivo para fins de análise do regime previdenciário aplicável.

No quadro de implementação do RPC, o governo do Paraná faz uma propaganda favorável à adesão e à migração, em que o regime de previdência complementar é apresentado como uma resposta eficiente e de garantia de uma aposentadoria mais “robusta”, de maior segurança em relação ao “déficit ou quebra da previdência social pública”, escondendo o que de fato está na emergência deste regime.

A Agência de Notícias do governo do estado do Paraná publicou uma matéria no dia 18/11/2021 sobre a aprovação da Lei que instituiu o RPC, argumentando sobre as vantagens deste regime aos servidores, quais sejam: “a possibilidade de manutenção do nível de renda da ativa; diversificação das fontes de pagamentos dos benefícios; potencial de rentabilidade com investimentos em renda fixa, renda variável e outras; possibilidade de acompanhar e controlar o saldo e a rentabilidade da sua conta; e possibilidade de cobertura para os riscos de morte, invalidez e sobrevivência”. Como vantagens para o Estado destaca que estão “em estabelecer um teto máximo igual ao do INSS para o RPPS e diminuir as despesas futuras do RPPS, possibilitando o aumento de recursos para outras áreas como Saúde e Educação”.

A lógica que atravessa tal discurso é de um gerencialismo absurdo, pois quebra a solidariedade geracional e transforma a previdência social numa espécie de poupança, submetida à lógica de rentabilidade mercantil e o servidor como administrador de seus rendimentos, diversificando as fontes de pagamento dos benefícios previdenciários. No Chile, por exemplo, enquanto enriqueceu rentistas, esse sistema levou milhares de trabalhadores e aposentados às ruas por causa de aposentadorias que, para a maioria das pessoas, paga valores inferiores ao salário-mínimo, resultando até mesmo na elevação dos índices de suicídio entre idosos. Aliás, com a quebra de seguradoras, chegou-se, em alguns casos, a aposentadorias com o irrisório valor de quatro reais e cinquenta centavos.

Enfim, contra a lógica da mercantilização e de privatização interna de uma política social que compõe o tripé da Seguridade Social preconizada na Constituição Federal de 1988, precisamos reencontrar os caminhos da luta para garantir a permanência de uma previdência pública, geracionalmente solidária e que pague aposentadorias e benefícios concernentes aos direitos adquiridos e a uma vida adequada aos aposentados e beneficiários.

Em defesa da Previdência Social Pública!
NÃO ao regime de previdência complementar!

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