Universidade Pública e Gratuita: Patrimônio da População Trabalhadora Paranaense

Num contexto de grandes e rápidas mudanças sociopolíticas e tecnocientíficas, o qual vem acompanhado de um processo de desvalorização do saber científico, redução do investimento estatal em educação pública, precarização do trabalho docente e afronta à autonomia didático-pedagógica e administrativa das universidades públicas paranaenses, os rumos ditados pelo governo do estado ao ensino superior público são uma preocupação de todas as comunidades acadêmicas e do próprio povo trabalhador paranaense – seus construtores. Em razão da importância social, cultural e econômica desse grande patrimônio estadual, o Comando Sindical Docente (CSD) considera necessário discutir alguns elementos deste processo, visto que, há profundas discordâncias sobre a política que tem sido implementada há mais de uma década no estado, a qual tem se intensificado no governo de Ratinho Jr., sobretudo com a implementação da Lei Geral das Universidades (LGU) e delineou um horizonte pouco alvissareiro para as nossas universidades.

De modo breve, o CSD chama a atenção para três dimensões dos inúmeros problemas: autonomia universitária, pessoal e orçamento.

Autonomia universitária

Sobre a autonomia universitária, sabemos, como docentes do ensino superior, que: 1) no Brasil, foi consolidada pela primeira vez no artigo 207 da Constituição Federal de 1988 e ratificada pelo artigo 53 da LDBEN; 2) é referente aos fins (ensino, pesquisa e extensão) e meios (dimensões didático-científica, administrativa e gestão financeira e patrimonial) para alcançá-los; 3) é condicionada pelo contexto socioeconômico e político, sendo que a sua observância contra a usual tentativa de ingerência política demanda organização e luta permanente da comunidade universitária. No Paraná, essa luta tem sido constante e, no pós-Constituição Federal de 1988, remonta à luta da UEL e da UEM para o exercício de sua autonomia administrativa (Acórdão de 1992)1.

Em período mais recente, Beto Richa retornou à tentativa de supressão da autonomia administrativa das universidades com a exigência do uso do software META-4 e, com o TCE (Tribunal de Contas do Estado), uma leitura enviesada da lei da carreira colocou em risco o TIDE (Tempo Integral de Dedicação Exclusiva) nas universidades. Desde 2015, redução orçamentária, cancelamento da abertura de concursos e ataques aos salários e condições de trabalho empobreceram a universidade e seus funcionários. Essa situação piorou com Ratinho Jr., que, em 2021, promulgou a LGU e, assim, induziu a uma parametrização (orçamentária e de pessoal) perversa das universidades, pois isso implica a precarização das antigas e consolidadas e, quanto às novas, um horizonte rebaixado de desenvolvimento.

Por conseguinte, diferentemente das universidades estaduais paulistas e das federais, as universidades estaduais paranaenses não têm autonomia para abertura de concursos – e, muito menos, para nomeação dos aprovados – e cursos. Além disso, são dependentes da vontade e ingerências do poder executivo (por meio do Fundo PR e de Encomendas Governamentais) e de emendas parlamentares para investimentos (obrigando reitores a peregrinações de mendicância pela Alep (Assembleia Legislativa Paraná) para obtenção de recursos). No caso de algumas, dependem de autorização do governo até mesmo para cumprir a legislação: atribuir promoções e progressões a docentes e agentes universitários.

Pessoal

De acordo com dados da SETI (Secretaria Estadual de Tecnologia e Inovação), o número de docentes estatutários das universidades passou de 6.587, em 2012, para 5.929, em 2018. Com a plena implantação da LGU, número de docentes estatutários nas universidades será de 5.892 – ou seja, 10% menor do que em 2012 e 0,6%menor do que 2018. Nos períodos respectivos, o número de cursos de graduação cresceu 0,8% e 13%; mestrado, 22,7% e 74,8%; doutorado, 95,1% e 61%. Portanto, movimentos em sentidos inversos: enquanto cresceu exponencialmente o número de cursos de graduação e, principalmente, de pós-graduação, caiu 10% o número de docentes estatutários. Isso mostra como a política de subinvestimento nas universidades – cujo corolário é a LGU –tanto traz consequências danosas para as condições de vida dos docentes quanto dificulta significativamente a manutenção – quantitativa e qualitativa – dos programas de pós-graduação, pois esta é uma atribuição exclusiva dos docentes estatutários.

Não bastasse isso, esses mesmos docentes que estão submetidos a condições de trabalho mais adversas e intensas recebem salários substancialmente menores e acumulam funções técnicas e administrativas devido à redução expressiva de agentes universitários e contratações de estagiários. Em comparação com janeiro de 2016 (mês de referência do salário sem perdas), o piso salarial da categoria está com arrocho em torno de 40% – com isso, o piso (R$ 3.607,51 – graduado 40 h) é menor que o piso nacional do magistério (R$ 4.581,54).

Orçamento

O subinvestimento nas universidades estaduais paranaenses pode ser avaliado tanto numa comparação histórica quanto em relação a universidades de outros sistemas de ensino superior, como é o caso do sistema das estaduais paulistas e o das federais. Na comparação histórica (dados corrigidos pelo IPCA), o orçamento total das universidades caiu de R$ 3,247 bilhões, em 2016, para R$ 2,899 bilhões, em 20232. O orçamento de custeio, após queda em anos anteriores, retornou no ano passado aos níveis de 2016 – o que demonstra como o corte orçamentário tem sido prioritariamente sobre os salários. Porém, é na comparação com outros sistemas de ensino superior que se escancara o subinvestimento. Eis um exemplo. Em 2023, a Unicamp teve R$ 591,38 milhões de orçamento de custeio. Com metade do número de estudantes, a menor das três grandes paulistas teve essa rubrica do orçamento 44% maior do que o orçamento congênere das sete universidades estaduais paranaenses. Portanto, como se diz: “não há milagre”. Educação pública, gratuita e com ensino, pesquisa e extensão de boa qualidade exige investimento consistente e regular. E mais, exige que esse investimento consistente e regular venha para as universidades como componente do seu orçamento e com transferência sob a forma de duodécimos, não que a sua distribuição fique submetida ao ritmo e ao arbítrio de burocratas e nem dependente das veleidades de parlamentares. Esses são requisitos básicos para que se possa falar em efetiva autonomia universitária.

Por fim, em consonância com o espírito de reflexões e debates que anima o evento, deixamos como proposta que a SETI organize um seminário estadual para uma ampla discussão com a categoria docente, sobre autonomia universitária e os rumos da educação pública no estado.

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