Na última quarta-feira (24/03), a Alep aprovou em primeira votação os projetos de lei nº 634/20 e nº 662/20. Esses projetos têm por finalidade facilitar a criação e/ou regulamentar as fundações privadas que atuam coligadas às universidades e hospitais universitários. Nesta segunda (29/03), eles passarão por segunda votação e, se aprovados, as novas leis favorecerão os interesses privados nas universidades.
Em 2004, o governo federal promulgou a Lei 10.973/2004 – a chamada lei da inovação tecnológica –, que, com os adendos da lei 13.243/2016, legalizou a mercantilização das universidades e institutos públicos de pesquisa. Não se trata da clássica privatização – segundo a qual o bem ou empresa estatal é vendida para particulares –, mas da corrosão interna dos meios e fins das instituições. De seus meios porque aprofunda a venda de serviços, fato que pode ser verificado pelo aumento das empresas terceiras prestando serviços dentro dos câmpus e dos hospitais universitários, precarizando as condições de trabalho e submetendo essa prestação aos critérios do lucro. De seus fins porque, na busca pelo dinheiro privado, o ensino reduz seu escopo formativo e a pesquisa científica secundariza os interesses públicos, coletivos, para orientar-se pelos interesses privados. Objetiva e subjetivamente, fomentam-se assim as condições para práticas de corrupção e lesivas à população nos mais diversos segmentos da administração e das atividades acadêmicas das universidades e hospitais universitários.
Em 2015, na reportagem especial O caminho privado nas universidades públicas (reproduzida em longo boletim pelo Sindiprol/Aduel, no qual constam diversas outras reportagens), o jornal O Estado de S. Paulo apontou que “a falta de transparência e a inexistência de ferramentas efetivas de controle transformam a interação do setor produtivo com a academia em um campo fértil para ilegalidades em todo o país”. Verdadeiras “caixas-pretas” das universidades, a reportagem denunciou: “por meio de convênios com fundações, surgem serviços de cifras milionárias, que muitas vezes nada têm a ver com os objetivos acadêmicos das instituições. Os clientes são empresas privadas, públicas e governos – com contratos quase sempre sem licitação. Já os professores, alguns de regime de dedicação exclusiva, conseguem multiplicar seus salários com esses trabalhos paralelos, mesmo que isso signifique conflito ético ou atividade irregular. As universidades, porém, são as que menos lucram no esquema” (https://sindiproladuel.org.br/o-caminho-do-dinheiro-privado-nas-universiades-publicas/)
No caso dos hospitais universitários, a situação é basicamente a mesma. Em 2011, o governo federal criou a Empresa Brasileira de Serviços Hospitalares-EBSERH. Sucateados pelas políticas neoliberais, os hospitais universitários das universidades federais foram entregues a uma empresa pública de direito privado para administrá-los. Como resultado, a empresa tem sido objeto de “forte aparelhamento político, com parentes de políticos sendo nomeados para cargos de direção da estatal de modo a garantir que a manipulação desses preciosos recursos fique nas mãos desses grupos políticos” (https://www.blogdanoeliabrito.com/2018/07/feudo-do-dem-ebserh-ja-e-recordista-em-inqueritos-e-denuncias-de-fraudes-n-policia-federal-e-no-MPF.html). Nesse caso, ao transferir serviço público de saúde para uma empresa de direito privado com fins lucrativos, a EBSERH viola a Constituição Federal. E mais, desrespeita a autonomia universitária, pois as universidades perdem a gestão administrativa e financeira sobre os hospitais. Apregoada como saída para a crise financeira e de gestão, a transferência para fundações privadas tende a aprofundá-las, agregando outros problemas relacionados à gangrena dos interesses privados.
Seja nos câmpus ou nos hospitais universitários – tanto faz se sob a forma de uma fundação para todo o estado ou, então, de fundações vinculadas aos interesses de grupos locais –, a mercantilização dos serviços públicos tem como resultado inevitável o desvirtuamento dos fins da administração pública, a precarização das condições de trabalho dos trabalhadores e a corrosão do serviço público pelos interesses privados que eclodem por todos os lados: apadrinhamentos políticos; contratos espúrios com empresas; fraudes em compras; ilegalidade em razão da sobreposição de atividades, funções e ganhos para servidores públicos; fomento à prática do favor em troca de vantagens pecuniárias.
Se existem problemas de gestão nos hospitais, a sua resolução passa pelo aprofundamento do seu caráter público e gratuito, pelo aumento da transparência dos gastos e do controle pelos trabalhadores e pela população, jamais pela substituição desses controles públicos pelo obscuro e arbitrário interesse privado.
Assinam esta nota: Adunicentro, Adunioeste, Sesduem, Sindiprol/Aduel, Sinduepg e Sindunespar.